O conto trata de um homem chamado Sorôco. Ele, assim como as pessoas que estavam ao seu redor, era muito pobre. O homem era muito sozinho, tinha apenas sua filha e sua mãe que estavam sendo levadas por ele para um hospício.
A mãe era uma figura triste e a filha estava enfeitada com panos e papéis coloridos, cantando muito alto. Os três, de braços dados, desciam a ladeira que chegava em um vagão de trem. Este gigante objeto de metal contrastava muito com o ambiente humilde. Quando elas foram embora, Sorôco ficou só. Todos que estavam a assistir a cena acompanharam Sorôco até sua casa, cantando a canção que a filha cantarolava.
Porém, não é a história que mais chama a atenção, mas sim o modo como ela é contada.
Ao longo do conto, pode ser observado um plano do conteúdo (no qual é contada a história) e um plano da expressão. Esta segunda característica pode ser demonstrada no trecho: “O carro lembrava um canoão no seco, navio.”. Com a frase, o narrador demonstra o contraste existente entre o carro e o humilde local onde ele está.
Também se destaca a função estética, por exemplo, em um trecho do conto, o nome de Sorôco aparece isolado entre parágrafos. Os espaços existentes ao redor da palavra demonstram a solidão em que Sorôco se encontrava quando sua filha e sua mãe foram embora.
O narrador é em terceira pessoa, porém pode ser confundido com primeira, pois ele se coloca no lugar dos personagens, como pode ser visto no trecho: “ A gente olhava” ou “ A gente reparando, notava as diferenças.”. Porém, não há frases que se refiram ao próprio narrador, apenas sobre a cena, demonstrando que ele é em terceira pessoa. O narrador desempenha uma função ideológica, como é demonstrado no trecho: “Para onde ia, no levar as mulheres, era para um lugar chamado Barbacena, longe. Para o pobre, os lugares são mais longe.”.
O narrador conta a história na perspectiva de uma pessoa que mora na área onde o personagem principal vive. O narrador conta algumas coisas sobre Sorôco e sua vida, “A mãe de Sorôco era de idade, com para mais de uns setenta. A filha, ele só tinha aquela. Sorôco era viúvo. Afora essas, não se conhecia dele o parente nenhum.”. Isto demonstra uma proximidade relativa com o personagem. Porém, não é descrito o pensamento ou sentimento de nenhum dos personagens, apenas algumas deduções possíveis de serem feitas por alguém que está vendo a cena, “a gente viu a velha olhar para ela, com um encanto de pressentimento muito antigo – um amor extremoso.”. Isto pode confundir ainda mais o leitor, podendo achar que o narrador está em terceira pessoa.
Outra característica do narrador que demonstra uma proximidade com os moradores da região onde se passa a história é o vocabulário. Ao longo de todo texto, são usadas palavras como: “muitas pessoas já estavam de ajuntamento”, “homenzão, brutalhudo”, “ir-s’embora”, entre outras palavras. Estas expressões representam uma fala característica da região.
Ao mesmo tempo, quando são descritas as características do local, parece que fazemos parte da multidão, “A hora era de muito sol – o povo caçava jeito de ficarem debaixo da sombra das árvores de cedro. O carro lembrava um canoão no seco, navio.”. O modo como o texto é escrito também demonstra uma relação íntima com o povo que está vendo e participando da história.
O espaço da história parece ser construído como um local em Minas Gerais pobre, quente e longe de Barbacena. Estas características podem ser relacionadas com os moradores de lá: Eles eram pobres, estavam com muito calor e “Para o pobre, os lugares são mais longe”. Porém havia algo diferente: lá havia um vagão de trem que contrastava muito com o resto do espaço. Havia uma multidão na frente da máquina para ver as mulheres que iam embora com ele. Se os o espaço onde se passa a história representam um local natural para os mais carentes e algo visto como ruim, este vagão pode ser visto como algo de cidades melhores, que trará melhorias para todos. Pode-se concluir isto, pois os personagens acreditavam que a ida das mulheres melhoraria a vida de todos, apesar do vagão contrastar muito com tudo aquilo que eles estavam acostumados, assim como as melhorias e reformas que podem acontecer nas cidades menores.
Os personagens também ajudam nesta interpretação: eles representam o povo que acredita que, ao mandar para longe aquilo que é diferente do ideal (no caso as filhas), tudo melhorará. Sorôco representa alguém que faz sacrifícios pelas melhorias na sua cidade, como aqueles que perdem suas casas nas operações urbanas.
Estes personagens e o espaço ajudam a criar a imagem triste e pobre que é formada ao longo do conto, na qual um grande aglomerado de pessoas esperam no sol quente as duas mulheres partirem. Porém, a tristeza era afugentada com a cantiga da filha de Sorôco.
O aspecto que mais se destaca é a cantiga que a filha de Sorôco principiou. “a cantiga não vigorava certa, nem no tom nem no se-dizer das palavras – o nenhum”. Depois de algum tempo, a avó dela começou a cantar também, como se as duas estivessem, mesmo não compreendendo o que estava acontecendo, espantando a tristeza que prevaleceria com a partida.
Quando as mulheres vão embora, Sorôco começa a cantar também e todos o acompanham. “E foi sem combinação, nem ninguém entendia o que se fizesse: todos, de uma vez, de dó do Sorôco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. E com as vozes tão altas! (…) A gente, com ele, ia até aonde que ia aquela cantiga”. Como se a canção representasse tanto uma dolorosa partida, como uma camuflagem da tristeza. Deste modo, todos mostram que a partida das mulheres que foi descrita na história não era apenas mais um acontecimento na cidade, ou mais uma história que foi lida, mas uma ação constante em locais carentes, como o da história: a camuflagem da tristeza com a música, neste caso.
Helena Manásia Schröter, 1°A