Os alunos estão na rede! E a escola, o que tem a ver com isso?

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Por Larissa Aliberti e Priscila Demasi, professoras de Fundamental 1

Seguem youtubers – e há os que criam seus próprios canais e colecionam seguidores, criam grupos no WhatsApp, fazem buscas no Google, conhecem a “Siri”, acompanham séries, sabem dos últimos lançamentos em jogos online, constroem cidades no Minecraft, postam fotos no Instagram, fazem vídeos no Snapchat, acham o Facebook ultrapassado, ouvem música pelo Spotify… Nossos alunos são usuários de tecnologia, interessam-se por ela, são atingidos pelos seus mecanismos em diferentes âmbitos da vida social e da percepção de mundo. Numa dada realidade social, este é um fato: os meios digitais pularam os muros para dentro da escola! E nós, o que fazemos com isso?

Não se trata da vida fora da escola? Já não cuidamos de tantas coisas? São tantos conteúdos, tantas demandas, tantos planejamentos, tantas ideias, tantas provas a corrigir, tantos cadernos na nossa mesa… É preciso estabelecer prioridades! Mas não podemos ignorar o fato de que os meios digitais integram a nossa cultura e que nossos alunos são afetados por eles. A cultura contemporânea é midiática, formada por meios massivos de comunicação e tecnologia. Somos atores sociais imersos nesse caldo, que é atravessado por interesses de diferentes âmbitos: educacionais, sociais, políticos, culturais, entre tantos outros.

Olhar atentamente para esses aspectos e considerá-los na nossa ação educativa é partir do pressuposto de que nossa tarefa vai além dos currículos preestabelecidos para os contextos escolares, trata-se de atuar visando contribuir com uma formação cidadã das crianças e dos jovens que circulam nas escolas.

Nesse sentido, parece importante conhecer os usos que os alunos fazem dos meios digitais e elaborar propostas que tenham como objetivo aproximar-se de uma leitura crítica dos mesmos.

Saber o uso que os alunos fazem dos meios digitais? Para quê?!

“Como você não conhece?!”, a frase citada com olhos arregalados e entonação de espanto foi dita por alguns alunos de dez anos em uma situação em que comentavam sobre youtubers que seguiam. É para eles tão natural circular entre esses canais que o “não saber” gera estranhamento. Por caminhos variados, mas tendo como braço-forte o grande alcance e a força de se tornar parte da rotina, as redes sociais, os aplicativos, entre outros tantos aparatos, chegam sem pedir licença e fazem morada no cotidiano das crianças.

Como professoras, ouvimos os comentários que fazem em conversas informais, ficamos sabendo – e não é raro termos que intervir – em conflitos relacionados às redes sociais, como divulgação de fotos pessoais ou compartilhamento de senhas. Uma geração de links, senhas, abas, redes e conexões que chegam diariamente às escolas e com as quais damos de cara sem saber muito bem o que se passa, mas com a certeza de que esses meios digitais são parte do que vai constituindo essas crianças e jovens.

Com o intuito de conhecer um pouco mais sobre os meios digitais de que nossos alunos fazem uso, propusemos a duas turmas de 5ºs anos uma brincadeira ao estilo de um “Stop”. A proposta havia sido realizada com o grupo de educadores que participou da Viagem Pedagógica da Vila durante aula com Débora Nakache e Gabriela Rubinovich, em que trataram de propostas e experiências acerca do trabalho em escolas com a produção e leitura de meios audiovisuais.

Na brincadeira, deveriam entrevistar o maior número possível de colegas sobre quais meios costumam usar, dentre eles: onde ouvem música, o que assistem na TV, como se comunicam com os colegas a distância, se seguem algum youtuber, qual rede social mais usam, etc. Para as crianças, um momento de diversão; para nós, um bom quadro revelador dessa relação e uso dos meios.

Ao ler as respostas, tivemos a comprovação de nossas percepções sobre o grande uso desses meios na vida cotidiana das crianças. Em uma das turmas de 25 alunos, por exemplo, 19 seguem algum canal do YouTube, 13 utilizam WhatsApp, apenas 1 não acompanha uma série. Considerar essa realidade parece-nos um elemento importante se optamos por um trabalho que vise uma formação cidadã mais abrangente.

Ampliar potencialidades de saber mais sobre um tempo, sobre um espaço e sobre uma forma de conceber a sociedade e seus sujeitos é papel da escola, e não se pode desconsiderar que em nosso tempo e espaço os meios digitais são uma realidade. Se sabemos melhor como pensam os alunos, que ferramentas usam, que leituras – na maior parte das vezes ingênuas – fazem desses usos, podemos escolher caminhos e ajustar intervenções visando criticidade.

Mas afinal, o que cabe à escola?

As crianças usam os meios digitais de maneira intuitiva porque fazem esse manejo cotidianamente. Mas, no contexto escolar, é com a mediação do professor que pode haver reflexões mais intencionais sobre eles, possibilitando construir e desconstruir sentidos do que é observado e vivido.

“Os meios constituem uma dimensão fundamental de nossa experiência contemporânea. Estão em todas as partes, são cotidianos e permanentes. Não podemos fugir da presença deles e de suas representações. Dependemos deles para nos informar, para o prazer, para usar o tempo livre, para conforto e segurança. Estão com intensidade em nossa vida cotidiana.” (R. Silverstone)

Um ensino que considera o aluno como sujeito atuante, reflexivo, de um determinado espaço e tempo dinâmicos precisa oferecer situações nas quais ele possa olhar para os meios digitais como fruto de uma construção social e que, assim sendo, não são neutros ou isentos de intencionalidades, ao contrário, são resultados de escolhas, de recortes, de interpretações, assim como os livros, os filmes. O que determinará o caminho a trilhar e as propostas a serem construídas diante dessa nova realidade posta está muito mais relacionado à escolha do tipo de aluno que queremos ajudar a formar e a forma como enxergarmos nossas crianças do que o tipo de ferramenta ou tecnologia que serão usadas.

Para NAKACHE, os professores “deveriam ensinar-lhes [aos alunos] a orientar-se em um mundo contemporâneo, ensinar-lhes aquilo que a tecnologia por si só não pode ensinar e que um indivíduo isolado não pode construir”.(NAKACHE, 2003).

Todos os sites do mundo aparecem em uma pesquisa no Google? Você já reparou nas propagandas que aparecem no Youtube? Por que os programas de TV têm determinados cenários e trilhas sonoras, o que provocariam em quem assiste se as escolhas fossem outras? São muitas as possíveis perguntas que podem ser feitas dentro de um projeto de trabalho que procure promover o exercício de práticas sociais de interpretação e produção em meios digitais para que possam ampliar estratégias de entendimento de seus modos de funcionamento, suas lógicas de produção e circulação.

Os meios digitais na escola podem ser conteúdo e recurso de ensino, desde que as ferramentas escolhidas não ocupem o centro do trabalho, mas que estejam a serviço de resolver problemas postos tendo como grande objetivo a formação de alunos críticos que gradativamente passem a perceber que esses meios são produtos que geram determinados sentidos e significados para, dessa forma, desnaturalizá-los.

Finalizando, entendemos que compete à escola encarar a formação do usuário de tecnologias e converter seus usos em ricos processos de aprendizagem.


Referência Bibliográfica
NAKACHE, Debora; MUNDO, Daniel. Las transformaciones tecnológicas: de la TV a Internet. La continuidad en el discurso educativo. In: Estudios sobre comunicación, educación y cultura: Una mirada a las relaciones recientes en la Argentina. CARLI, Sandra (org), 2003.