Saber quando não intervir: uma competência profissional

Escola da Vila

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Por Sonia Barreira, direção geral

Não é tarefa fácil explicar como ensinamos aqui na Vila, mas, às vezes, um de nós tem uma inspiração e descreve uma cena emblemática que fala muito sobre as decisões que um professor tem de tomar no dia a dia para que os alunos aprendam.

"Vejamos uma cena escolar típica: crianças de 6 anos, reunidas em grupos de 4, cuja proposta em sala de aula é a explicação de um problema matemático. As crianças disputam a palavra entre si. A tensão é alimentada duplamente, tanto porque é preciso ganhar espaço para se expressar como ao mesmo tempo deduzir o problema em questão. Pior ainda quando uma colega coloca argumentos pertinentes. Isso pode ajudar, por um lado, pois, com as contribuições do outro, uma aluna consegue reafirmar a sua incipiente teoria, mas também pode dificultar, na medida em que ela pode se ver perdendo a batalha intelectual travada em plena manhã de um dia letivo. A professora não tem pressa em formalizar a resposta correta. As alunas se envolvem, procuram palavras, por vezes desanimam e desistem, e em seguida voltam a encarar o problema com entusiasmo renovado quando uma solução despenca do córtex pré-frontal para a ponta da língua. E alguns ainda têm a desvantagem do aparelho ortodôntico, que atravanca as palavras e limita o desempenho em campo." (Fermín Damirdjian, Ensinar à distância ou aprender na convivência? 3/4/2018) 

A ideia aqui era apenas mostrar como a troca entre os alunos é fecunda e possibilita a aprendizagem. No entanto, grifamos uma afirmação que pode ter passado despercebida: a atuação, ou melhor dizendo, a “não atuação” do professor. E por que isso merece destaque?

Porque no contexto dinâmico e imprevisível da sala de aula, o professor só pode “não se apressar em formalizar a resposta correta” se ele sabe da importância fundamental da interação entre pares. E para acreditar nisso a ponto de suspender temporariamente aquilo que usualmente parece ser a ação principal do docente – dar a explicação correta – é preciso compreender como se processa a aprendizagem.

É preciso instaurar o problema para as crianças. A suspensão temporária da explicação deve gerar boas perguntas para engajar aqueles que estão à margem da discussão. É necessário também ressaltar algumas hipóteses, retomar algumas certezas, construir outros desafios. Outro ingrediente é a construção da confiança e do respeito – é preciso coragem e incentivo para arriscar apresentar em voz alta uma solução que nasceu dentro de cada um.

Enquanto aprendem a enfrentar um problema matemático, são obrigados a ouvir o colega tentando convencê-lo a explicar por que concorda ou não. Para isso é necessário ser claro, falar num tom amistoso, trazer o outro para sua ideia. Também é preciso reconhecer quando o outro parece ter razão, e isso é reflexão. É isso o que chamamos de cooperação. No contexto da aprendizagem, cooperar não é ajudar e sim operar com o outro, pensar e agir considerando as ideias e a transformação em ideias novas, a partir desse embate o que cada um sabe e o que, juntos, podem aprender.

Assim, ao optarmos por ensinar matemática dessa maneira e não de outra, não estamos escolhendo apenas a melhor forma de adquirir conceitos matemáticos, que afinal são os conhecimentos em jogo, estamos também educando para o diálogo, para a vida coletiva. Estamos escolhendo a melhor forma de ensinar e de educar, em simultâneo.

Esta é a força do nosso projeto pedagógico.