Tempo de Carnaval


Por Ivone Domingues

Neste Carnaval, encontrei o Sr. Jacob, um senhor polonês de 97 anos, que vive no Brasil desde os 13. O Sr. Jacob é um narrador de primeira. Conta com prazer e enorme riqueza de detalhes suas histórias de vida, dentre elas a viagem de vinte e um dias, da Polônia ao Brasil, quando tinha 13 anos. Veio junto com o irmão de 10 anos encontrar os pais, um tio e seus outros irmãos menores que já viviam aqui.

As histórias do Sr. Jacob eram contadas com humor, num ritmo adequado ao nível de detalhe e sabor dos acontecimentos, ou seja, lento para nossos parâmetros atuais. Por esse motivo, volta e meia, antes de concluir seu pensamento, o Sr. Jacob era interrompido por algum de nós, seus ouvintes, com uma nova pergunta.  Quando isso acontecia, o Sr. Jacob, sorrindo, perguntava: “Você tem tempo?”.

Bom, se o leitor deste blog teve tempo e paciência para levar a leitura até este ponto, aviso que é aí que gostaria de me deter: “Você tem tempo?”

Charles Hadji, no prefácio do seu livro Pensar e agir a educação (1), nos diz que, segundo Rousseau, para educar, é preciso saber perder tempo (2). Podemos considerar que as tarefas centrais do educador: observar e escutar, durante as quais se recolhe material para refletir e agir, são ações, na maioria das vezes, lentas. Na máxima do autor, chama atenção a ideia de saber perder tempo, que não é o mesmo que perder tempo, simplesmente. Esse tempo perdido com sabedoria, com intenção educativa, pode resultar em um enorme ganho de tempo, pois é condição para ouvir a narrativa do outro, formar vínculo, criar espaço de confiança e diálogo.

Neste período de carnaval, quando suspendemos um pouco o correr do tempo, aproximar as narrativas do Sr. Jacob e a leitura do Hadji me fez pensar na estreita relação entre saber narrar, saber ouvir, dialogar e educar.

É fato que nenhum de nós sabe, na verdade, quanto tempo ainda tem, e essa é uma questão central da humanidade. Porém, quando alguém com 97 anos lhe pergunta, delicadamente, Você tem tempo?” é tempo de frear ansiedades, parar e pensar se estamos sabendo perder o tempo necessário para conviver, ouvir e educar.

(1) Hadji, Charles. Pensar a agir a educação: da inteligência do desenvolvimento ao desenvolvimento da inteligência. Porto Alegre: Artmed, 2001.
(2) Rousseau, Jean-Jacques. Émile, Édition Garnier-Flammarion, p. 112.